terça-feira, 8 de maio de 2012

Ética


COMPREENSÃO ÉTICA SOB PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA

Daniela Miketen[1]

RESUMO
O termo ética faz referencia ao conjunto de valores sociais que visam uma melhoria na convivência, ou seja, o que é mais justo para todos, o que é mais correto para todos. O homem é quem escolhe de maneira prática praticar ou não esses valores, ou condutas propostas como sendo boas. Essa decisão que ele faz, consiste na escolha consciente e resultante de seus valores interiores. Considerando quem ele é, suas dimensões, sua história, cada um responderá á ética de maneira particular e significativa. Não se pode isolar a ética, nem o homem, ambos se relacionam e são compreendidos. O homem compreende a si mesmo e o meio, e compreende também os conceitos éticos equivalentes ao meio. A ética ajuda o homem a compreender-se e decidir pelo que é certo. Mudanças no conceito ético aconteceram ao longo da história, mas permanece o principio de sua importância sob perspectiva antropológica.

Palavras chave: Ética.Homem.Mundo.


ÉTICA: CONCEITO E APLICAÇÕES

É comum falar sobre ética, e relacionar o termo a comportamentos evidentes, que resultam dizer se alguém é bom ou mal, correto ou incorreto em suas ações, justo ou injusto, e outros paralelos criados para colocar as pessoas em grupos distintos, éticos e não éticos. Embora o termo, é comum, seu significado, sentido e aplicações verdadeiras, não são facilmente reconhecidos socialmente, razão essa pela qual as pessoas sentem-se embaraçadas quanto tentam explicar o que é ética.
Ética vem do grego (ethos = costumes), e remete à ideia de costumes, com a conotação, do que é tido como bom e do que se impõe como obrigatório. É, portanto, por convenção que alguns autores reservam o termo ético para a perspectiva de uma vida concluída. A ética se refere mais a princípios universais, portanto, pertence à humanidade. (Bordignon, 2011)
Ética está relacionada a vida em comunidade, o que é dever, o que é justo e quais os princípios que regem esse dever e essa justiça para que as relações sejam melhores.
O conceito de ética tem o seu nascedouro na antiga Grécia. Esse nascimento começa com a formulação restrita ao ser humano e se expande a toda a natureza criada observando as relações de subjetividade e objetividade, heteronomia e autonomia do homem em relação ao conceito de justiça e ética. (Bordignon, 2011)
Viver em sociedade implica em saber contornar assuntos de relacionamento e buscar maneiras para conviver bem. Há constantes conflitos em que o homem é chamado a tomar decisões, e em contexto globalizado elas devem ser cada vez mais rápidas, para que possam beneficiar o maior numero de pessoas:
É em face das situações concretas que a exigência ética é chamada a tomar exata consciência de suas implicações e de seu alcance. (...) A invenção das normas encontra-se na intersecção da visada ética fundamental, isto é, da exigência constitutiva da qualidade ética do ser humano, e das situações concretas, problemáticas, encontradas pela ação. (LADRIÈRE, 2001, p. 37-38)

Quando o homem precisa ter uma iniciativa diante de circunstancias cotidiano, ocorre o apelo à ética, essa tem a função de fazer refletir para trazer o conhecimento da ordem social em que ela se desenvolve e aponta para os pontos de partida à decisão: valores, processos, práticas, objetivos, ideais. Essa reflexão também faz questionar esses pontos de partida, ampliando a ação crítica daquele que decide e dando-lhe a possibilidade de reconstruir ou abandonar algumas ações quando entende que elas não são justas em função do contexto.  (UCB, 2011)
A ética através da história passou por diversas transformações e a cada período destacaram-se importantes pensadores, que definiam a relação humana com o termo. Nota-se que há diferentes conceitos em torno do assunto. Como breve resumo a seguir:
A idade grega foi o período de objetivação da ética. Platão traz o conceito de ética baseado no bom cidadão numa polis justa, ela nasce do bem e da justiça e do valor que o homem tem dentro da sociedade. Nesse período surge o conceito do que é justo e injusto. Já Aristóteles afirmava que a ética estava no homem, com a finalidade de harmonizar e hierarquizar suas dimensões.  Ele distingue o homem como ser capaz de encontrar a sabedoria, a felicidade e justiça, e tomar decisões para o melhor, para uma sociedade justa e feliz. O seguinte período foi a idade cristã e a verticalização da ética, Agostinho dizia estar em Deus todas as respostas para as questões humanas e o homem, bem como o contexto em que está inserido são realidades precárias e a busca pelo amor, verdade, bem, justiça só poderiam ser encontradas em Deus, criador de todas as coisas.. Para São Tomas de Aquino, no mesmo período cristão o amor ao próximo se torna regra de conduta para a convivência humana. O ser humano não pode estar distante de Deus, que é a essência de toda justiça. A idade moderna trouxe a subjetivação da ética, e Kant surge defendendo a autonomia da vontade livre, ética baseada na razão. A idade contemporânea, com a nova objetivação da ética, retoma a busca de justiça social, estabelecendo os contratos sociais e também a valorização de ações que pudessem conjuntamente beneficiar a sociedade. (Bordignon, 2011)
Muitos foram os processos conceituais em torno da ética, e logicamente esses conceitos influenciaram as ações humanas, contudo,
Nenhuma ética anterior levou em conta as condições globais da vida humana, nem o futuro remoto, mais ainda, a existência mesma da espécie. O fato de que precisamente hoje estão em jogo essas coisas exige, em uma palavra, uma concepção nova de direitos e deveres, algo para o que nenhuma ética, nem metafísica anterior proporciona os princípios e menos ainda uma doutrina já pronta. (JONAS, 1995, p. 34).

É necessário a construção dessa ética global urgente, que visualiza as ações humanas e consequencias, para solidificar deveres sociais importantes ao nosso contexto.

RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E ANTROPOLOGIA

O homem constitui-se basicamente de três dimensões: somática, psíquica e espiritual, sendo respectivamente a descoberta do próprio corpo, a consciência e reflexibilidade e a manifestação do significado e sentido da vida como todo a partir da transcendência. Essas dimensões estão organizadas entre si, dando ao homem um conjunto de expressões e reações diante dos fatos. (Bordignon, 2011)
Ele não somente existe, mas convive. E no exercício da convivência o homem se dá, somática, psíquica e espiritualmente, expressando todas as suas dimensões, consequentemente, seus valores interiores. Ele é um ser no mundo, mas que não está limitado as leis desse mundo. Tem suas próprias leis interiores, e faz uma relação dessas com as leis da natureza, do espaço físico, do ambiente em que está inserido.
Sua expressão se dá através dos sentimentos e emoções. Nessa questão Agostinho (1995) apresenta o homem sob a trindade: afeto, inteligência e vontade. Já Damasio (2004) as apresenta em três categorias: emoções de fundo (disposições interiores da pessoa), emoções primarias (as primeiras emoções que temos das expressões) e emoções sociais (componentes das emoções de fundo que são reforçadas socialmente.
No desenvolvimento humano, alguns fatores são integrados como: a hereditariedade – referente a carga genética que ele traz em sua existência; o crescimento orgânico – referente ao crescimento físico; a maturação neurofisiológica – o que torna possível determinado padrão de comportamento e o meio – conjunto de influencias e estimulações ambientais. (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001)
Por isso não se pode considerar o homem um ser excluído do meio e suas ações éticas são resultado de seus valores antropológicos, sua formação enquanto individuo.
O uso da ética entra nos âmbitos de sua comunicação, atitudes e mudanças delas, o processo de socialização, os grupos sociais, as hierarquias sociais e muitos outros aspectos. Bleger, em seu livro Psicologia da conduta, sistematiza pelo menos
três mitos filosóficos, que influenciaram as ciências humanas em geral e a Psicologia em particular, e que apresentam a idéia de que o homem nasce pronto.
• O mito do homem natural: concebe o homem como possuidor de uma essência original que o caracteriza como bom, possuindo qualidadesque, por influência da organização social, se manifestariam, perderiam ou modificariam, isto é, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe
• O mito do homem isolado: supõe o homem como, originária e primitivamente, um ser isolado, não-social, que desenvolve gradualmente a necessidade de relacionar-se com os outros indivíduos. Alguns teóricos consideram necessário, para esse relacionamento, um instinto especial, que Le Bon, um dos pioneiros da Psicologia social, denominou instinto gregário. Sem esse instinto, o homem não conseguiria relacionar-se com seus semelhantes, e seria impossível a formação da sociedade.
• O mito do homem abstrato: nessa concepção, o homem surge como um ser cujas características independem das situações de vida. O ser está isolado das situações históricas e presentes em que transcorre sua vida. O homem é estudado como o “homem em geral”, e seus atributos ou propriedades passam a ser apresentados como universais, independentes do momento histórico e tipo de sociedade em que se insere e das relações que vive. Neste caso, uma pessoa que viveu na época do Brasil Colônia não diferiria de uma pessoa do Brasil atual, como se o desenvolvimento econômico e tecnológico não interferisse na formação do indivíduo. (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001 p 220)

O homem não nasce pronto, aprende a ser homem através de suas relações, e do próprio aprendizado, faz-se homem a partir de suas escolhas éticas, da construção de seus valores e das influencias recebidas do meio em que está inserido. Sabe trabalhar e utilizar instrumentos, linguagem e compreender o mundo ao seu redor.

ÉTICA GLOBAL

         A experiência base da vida humana é o afeto e o cuidado, a capacidade de sentir, de ser afetado e de afetar. A existência não é pura existência; é uma coexistência, sentida e afetada pela ocupação e pela preocupação, o cuidado e a responsabilidade no mundo com os outros pela alegria ou pela tristeza, esperança ou angustia. (Boff, 1938)
O homem arcaico, antes da hegemonia da razão, vivia uma union mystique com todas as realidades, sentia-se umbilicalmente ligado a elas; participava da natureza das coisas e as coisas participavam de sua natureza. Percebia que as pedras, as plantas e os animais pertenciam a sua própria história, embora se perdesse já penumbra do tempo antigo. Por isso, o sentimento de pertença e parentesco universal pemitia uma intergração bem-sucedida da existência humana; havia respeito e veneração para com todos os elementos, especialmente para com os seres vivos e para com a Terra, venerada como grande mãe.
Tudo isso se obscureceu posteriormente. O homem moderno e pós-moderno está a procura desse acordo perdido que subsite, no entanto, na lógica do cotidiano...nos seus sonhos, nas utopias regressivas e progressivas e em seu fértil imaginário.(Boff, 1938, p. 83)

            O ser humano é fundamentalmente um ser de cuidado mais que um ser de razão e de vontade. Cuidado é uma relação amorosa para com a realidade, com o objetivo de garantir-lhe a subsistência e criar-lhe espaço para o seu desenvolvimento. Em tudo os humanos põem e devem pôr cuidado: na vida, no corpo, no espírito, na natureza, na saúde, na pessoa amada, em quem sofre e na casa. Sem cuidado, a vida perece. (Boff, 1938)
Em 1970 celebrou-se uma conferencia mundial das religiões em favor da paz, em Kyoto, no Japão. Ali se tentaram traçar as virtudes de um ethos mundial. Entre outras coisas, foi dito:
·                Há uma unidade fundamental da familia humana, na igualdade e dignidade de todos os seus membros;
·                Cada ser humano é sagrado e intocável, especialente em sua consciência;
·                Toda comunidade humana representa um valor;
·                O poder não pode ser igualado ao direito. O poder jamais se basta a si mesmo, não é jamais absoluto e deve ser limitado pelo direito e pelo controle da comunidade;
·                A fé, o amor, a compaixão, o altruísmo, a força do espírito e a veracidade interior são, em última instancia, muito superiores ao ódio, à inimizade e ao egoísmo;
·                Deve-se estar, por obrigação, do lado dos pobres e oprimidos e contra seus opressores;
·                Alimentamos profunda esperança de que, no final, a boa vontade triunfará.
Há um concenso ao redor de valores que, observados, poderão salvar a terra, resgatar os excluídos e dar sentido às lutas dos que buscam vida e liberdade. Mais que prescrições, são apelos, chamamentos ao melhor do que existe em nós. (Boff, 1938, p.109-110)

Para debelar essas questões, precisamos de um consenso mínimo sustentado pela razão cordial, pelo cuidado essencial, pela reverencia diante de cada realidade, da Terra e do cosmos. Essa atitude significa o ethos básico que poderá dar origem a muitas expressões morais, consoante a diversidade das culturas, das tradições e dos tempos. Mas todas elas devem expressar o mesmo ethos e a mesma boa vontade fundamental de servir à vida, dendê-la, expandi-la e permitir que ela continue a fazer sua trajetória no universo rumo à Fonte originaria de toda a vida. (Boff, 1938)
Assim como durante a história os conceitos éticos foram sendo transformados e adaptados, ainda hoje faz-se necessário pensar sobre. Pensadores idealizaram o que seria o homem, e a partir dessas idealizações, como seria seu comportamento. Essa trajetória segue a diante na analise contextual e as práticas necessárias nele.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Analisar o homem antropologicamente é importante, para a compreensão da resposta que ele dá as questões éticas sociais. Todas as respostas dadas são reflexo do que o homem é em sua construção ideológica e histórica.
            Esse processo é interiorizado e exteriorizado sob a forma de comportamentos sociais. Assim como o homem decide para si, também decide e escolhe pela construção do meio.
            É também evidente que há considerações atuais que precisam ser pensadas para o desenvolvimento de uma ética mundial para a melhoria social e da vida humana. A ética deve estar a serviço do homem, como maneira de colocar ordem no caos do mundo, e o homem deve fazer bom uso da ética, ou ter a consciência de sua influencia na vida, para responder ao que ela propõe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: Uma introdução ao estudo de psicologia. 13 Edição, 2001 Ed. Saraiva.

BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Ed Record, 2009. Rio de Janeiro.

BORDIGNON, Nelson Antonio. Ética, elementos da antropologia

BORDINGNON, Nelson Antonio. Conceito de ética através da historia.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA VIRTUAL Unidade 1 aula 1




[1] Acadêmica do curso Licenciatura em Pedagogia, Unilasalle, 2 Semestre.

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