COMPREENSÃO ÉTICA SOB PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA
Daniela Miketen[1]
RESUMO
O termo ética faz referencia ao
conjunto de valores sociais que visam uma melhoria na convivência, ou seja, o
que é mais justo para todos, o que é mais correto para todos. O homem é quem
escolhe de maneira prática praticar ou não esses valores, ou condutas propostas
como sendo boas. Essa decisão que ele faz, consiste na escolha consciente e
resultante de seus valores interiores. Considerando quem ele é, suas dimensões,
sua história, cada um responderá á ética de maneira particular e significativa.
Não se pode isolar a ética, nem o homem, ambos se relacionam e são
compreendidos. O homem compreende a si mesmo e o meio, e compreende também os
conceitos éticos equivalentes ao meio. A ética ajuda o homem a compreender-se e
decidir pelo que é certo. Mudanças no conceito ético aconteceram ao longo da
história, mas permanece o principio de sua importância sob perspectiva
antropológica.
Palavras chave: Ética.Homem.Mundo.
ÉTICA: CONCEITO E APLICAÇÕES
É
comum falar sobre ética, e relacionar o termo a comportamentos evidentes, que
resultam dizer se alguém é bom ou mal, correto ou incorreto em suas ações,
justo ou injusto, e outros paralelos criados para colocar as pessoas em grupos
distintos, éticos e não éticos. Embora o termo, é comum, seu significado,
sentido e aplicações verdadeiras, não são facilmente reconhecidos socialmente,
razão essa pela qual as pessoas sentem-se embaraçadas quanto tentam explicar o
que é ética.
Ética
vem do grego (ethos = costumes), e remete à ideia de costumes, com a
conotação, do que é tido como bom e do que se impõe como obrigatório. É,
portanto, por convenção que alguns autores reservam o termo ético para a
perspectiva de uma vida concluída. A ética se refere mais a princípios
universais, portanto, pertence à humanidade. (Bordignon, 2011)
Ética
está relacionada a vida em comunidade, o que é dever, o que é justo e quais os princípios
que regem esse dever e essa justiça para que as relações sejam melhores.
O
conceito de ética tem o seu nascedouro na antiga Grécia. Esse nascimento começa
com a formulação restrita ao ser humano e se expande a toda a natureza criada
observando as relações de subjetividade e objetividade, heteronomia e autonomia
do homem em relação ao conceito de justiça e ética. (Bordignon, 2011)
Viver
em sociedade implica em saber contornar assuntos de relacionamento e buscar
maneiras para conviver bem. Há constantes conflitos em que o homem é chamado a
tomar decisões, e em contexto globalizado elas devem ser cada vez mais rápidas,
para que possam beneficiar o maior numero de pessoas:
É
em face das situações concretas que a exigência ética é chamada a tomar exata
consciência de suas implicações e de seu alcance. (...) A invenção das normas
encontra-se na intersecção da visada ética fundamental, isto é, da exigência constitutiva
da qualidade ética do ser humano, e das situações concretas, problemáticas,
encontradas pela ação. (LADRIÈRE, 2001, p. 37-38)
Quando
o homem precisa ter uma iniciativa diante de circunstancias cotidiano, ocorre o
apelo à ética, essa tem a função de fazer refletir para trazer o conhecimento
da ordem social em que ela se desenvolve e aponta para os pontos de partida à
decisão: valores, processos, práticas, objetivos, ideais. Essa reflexão também
faz questionar esses pontos de partida, ampliando a ação crítica daquele que
decide e dando-lhe a possibilidade de reconstruir ou abandonar algumas ações
quando entende que elas não são justas em função do contexto. (UCB, 2011)
A
ética através da história passou por diversas transformações e a cada período
destacaram-se importantes pensadores, que definiam a relação humana com o termo.
Nota-se que há diferentes conceitos em torno do assunto. Como breve resumo a
seguir:
A
idade grega foi o período de objetivação da ética. Platão traz o conceito de
ética baseado no bom cidadão numa polis justa, ela nasce do bem e da justiça e
do valor que o homem tem dentro da sociedade. Nesse período surge o conceito do
que é justo e injusto. Já Aristóteles afirmava que a ética estava no homem, com
a finalidade de harmonizar e hierarquizar suas dimensões. Ele distingue o homem como ser capaz de
encontrar a sabedoria, a felicidade e justiça, e tomar decisões para o melhor,
para uma sociedade justa e feliz. O seguinte período foi a idade cristã e a
verticalização da ética, Agostinho dizia estar em Deus todas as respostas para
as questões humanas e o homem, bem como o contexto em que está inserido são
realidades precárias e a busca pelo amor, verdade, bem, justiça só poderiam ser
encontradas em Deus, criador de todas as coisas.. Para São Tomas de Aquino, no
mesmo período cristão o amor ao próximo se torna regra de conduta para a
convivência humana. O ser humano não pode estar distante de Deus, que é a
essência de toda justiça. A idade moderna trouxe a subjetivação da ética, e Kant
surge defendendo a autonomia da vontade livre, ética baseada na razão. A idade
contemporânea, com a nova objetivação da ética, retoma a busca de justiça
social, estabelecendo os contratos sociais e também a valorização de ações que
pudessem conjuntamente beneficiar a sociedade. (Bordignon, 2011)
Muitos
foram os processos conceituais em torno da ética, e logicamente esses conceitos
influenciaram as ações humanas, contudo,
Nenhuma ética anterior levou em conta as condições globais da vida
humana, nem o futuro remoto, mais ainda, a existência mesma da espécie. O fato
de que precisamente hoje estão em jogo essas coisas exige, em uma palavra, uma concepção
nova de direitos e deveres, algo para o que nenhuma ética, nem metafísica
anterior proporciona os princípios e menos ainda uma doutrina já pronta.
(JONAS, 1995, p. 34).
É
necessário a construção dessa ética global urgente, que visualiza as ações
humanas e consequencias, para solidificar deveres sociais importantes ao nosso
contexto.
RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E ANTROPOLOGIA
O
homem constitui-se basicamente de três dimensões: somática, psíquica e
espiritual, sendo respectivamente a descoberta do próprio corpo, a consciência
e reflexibilidade e a manifestação do significado e sentido da vida como todo a
partir da transcendência. Essas dimensões estão organizadas entre si, dando ao
homem um conjunto de expressões e reações diante dos fatos. (Bordignon, 2011)
Ele
não somente existe, mas convive. E no exercício da convivência o homem se dá,
somática, psíquica e espiritualmente, expressando todas as suas dimensões,
consequentemente, seus valores interiores. Ele é um ser no mundo, mas que não
está limitado as leis desse mundo. Tem suas próprias leis interiores, e faz uma
relação dessas com as leis da natureza, do espaço físico, do ambiente em que
está inserido.
Sua
expressão se dá através dos sentimentos e emoções. Nessa questão Agostinho
(1995) apresenta o homem sob a trindade: afeto, inteligência e vontade. Já Damasio
(2004) as apresenta em três categorias: emoções de fundo (disposições
interiores da pessoa), emoções primarias (as primeiras emoções que temos das
expressões) e emoções sociais (componentes das emoções de fundo que são
reforçadas socialmente.
No
desenvolvimento humano, alguns fatores são integrados como: a hereditariedade –
referente a carga genética que ele traz em sua existência; o crescimento
orgânico – referente ao crescimento físico; a maturação neurofisiológica – o
que torna possível determinado padrão de comportamento e o meio – conjunto de
influencias e estimulações ambientais. (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001)
Por
isso não se pode considerar o homem um ser excluído do meio e suas ações éticas
são resultado de seus valores antropológicos, sua formação enquanto individuo.
O
uso da ética entra nos âmbitos de sua comunicação, atitudes e mudanças delas, o
processo de socialização, os grupos sociais, as hierarquias sociais e muitos
outros aspectos. Bleger, em seu livro Psicologia
da conduta, sistematiza pelo menos
três mitos filosóficos, que influenciaram as ciências humanas em geral e a
Psicologia em particular, e que apresentam a idéia de que o homem nasce pronto.
• O mito do homem natural: concebe
o homem como possuidor de uma essência original que o caracteriza como bom, possuindo
qualidadesque, por influência da organização social, se manifestariam,
perderiam ou modificariam, isto é, o homem nasce bom, mas a sociedade o
corrompe
•
O mito do homem isolado: supõe
o homem como, originária e primitivamente, um ser isolado, não-social, que
desenvolve gradualmente a necessidade de relacionar-se com os outros
indivíduos. Alguns teóricos consideram necessário, para esse relacionamento, um
instinto especial, que Le Bon, um dos pioneiros da Psicologia social, denominou
instinto gregário. Sem esse instinto, o homem não conseguiria relacionar-se com
seus semelhantes, e seria impossível a formação da sociedade.
•
O mito do homem abstrato: nessa
concepção, o homem surge como um ser cujas características independem das
situações de vida. O ser está isolado das situações históricas e presentes em
que transcorre sua vida. O homem é estudado como o “homem em geral”, e seus
atributos ou propriedades passam a ser apresentados como universais,
independentes do momento histórico e tipo de sociedade em que se insere e das
relações que vive. Neste caso, uma pessoa que viveu na época do Brasil Colônia
não diferiria de uma pessoa do Brasil atual, como se o desenvolvimento
econômico e tecnológico não interferisse na formação do indivíduo. (BOCK,
FURTADO, TEIXEIRA, 2001 p 220)
O
homem não nasce pronto, aprende a ser homem através de suas relações, e do
próprio aprendizado, faz-se homem a partir de suas escolhas éticas, da
construção de seus valores e das influencias recebidas do meio em que está inserido.
Sabe trabalhar e utilizar instrumentos, linguagem e compreender o mundo ao seu
redor.
ÉTICA GLOBAL
A experiência base da vida humana é o afeto e o cuidado,
a capacidade de sentir, de ser afetado e de afetar. A existência não é pura
existência; é uma coexistência, sentida e afetada pela ocupação e pela
preocupação, o cuidado e a responsabilidade no mundo com os outros pela alegria
ou pela tristeza, esperança ou angustia. (Boff, 1938)
O
homem arcaico, antes da hegemonia da razão, vivia uma union mystique com todas as realidades, sentia-se umbilicalmente
ligado a elas; participava da natureza das coisas e as coisas participavam de
sua natureza. Percebia que as pedras, as plantas e os animais pertenciam a sua
própria história, embora se perdesse já penumbra do tempo antigo. Por isso, o
sentimento de pertença e parentesco universal pemitia uma intergração
bem-sucedida da existência humana; havia respeito e veneração para com todos os
elementos, especialmente para com os seres vivos e para com a Terra, venerada
como grande mãe.
Tudo
isso se obscureceu posteriormente. O homem moderno e pós-moderno está a procura
desse acordo perdido que subsite, no entanto, na lógica do cotidiano...nos seus
sonhos, nas utopias regressivas e progressivas e em seu fértil imaginário.(Boff,
1938, p. 83)
O ser humano é fundamentalmente um
ser de cuidado mais que um ser de razão e de vontade. Cuidado é uma relação
amorosa para com a realidade, com o objetivo de garantir-lhe a subsistência e
criar-lhe espaço para o seu desenvolvimento. Em tudo os humanos põem e devem
pôr cuidado: na vida, no corpo, no espírito, na natureza, na saúde, na pessoa
amada, em quem sofre e na casa. Sem cuidado, a vida perece. (Boff, 1938)
Em
1970 celebrou-se uma conferencia mundial das religiões em favor da paz, em
Kyoto, no Japão. Ali se tentaram traçar as virtudes de um ethos mundial. Entre
outras coisas, foi dito:
·
Há uma unidade fundamental da familia
humana, na igualdade e dignidade de todos os seus membros;
·
Cada ser humano é sagrado e intocável,
especialente em sua consciência;
·
Toda comunidade humana representa um
valor;
·
O poder não pode ser igualado ao
direito. O poder jamais se basta a si mesmo, não é jamais absoluto e deve ser
limitado pelo direito e pelo controle da comunidade;
·
A fé, o amor, a compaixão, o
altruísmo, a força do espírito e a veracidade interior são, em última
instancia, muito superiores ao ódio, à inimizade e ao egoísmo;
·
Deve-se estar, por obrigação, do lado
dos pobres e oprimidos e contra seus opressores;
·
Alimentamos profunda esperança de que,
no final, a boa vontade triunfará.
Há
um concenso ao redor de valores que, observados, poderão salvar a terra,
resgatar os excluídos e dar sentido às lutas dos que buscam vida e liberdade.
Mais que prescrições, são apelos, chamamentos ao melhor do que existe em nós.
(Boff, 1938, p.109-110)
Para
debelar essas questões, precisamos de um consenso mínimo sustentado pela razão
cordial, pelo cuidado essencial, pela reverencia diante de cada realidade, da
Terra e do cosmos. Essa atitude significa o ethos básico que poderá dar origem
a muitas expressões morais, consoante a diversidade das culturas, das tradições
e dos tempos. Mas todas elas devem expressar o mesmo ethos e a mesma boa
vontade fundamental de servir à vida, dendê-la, expandi-la e permitir que ela
continue a fazer sua trajetória no universo rumo à Fonte originaria de toda a
vida. (Boff, 1938)
Assim
como durante a história os conceitos éticos foram sendo transformados e
adaptados, ainda hoje faz-se necessário pensar sobre. Pensadores idealizaram o
que seria o homem, e a partir dessas idealizações, como seria seu
comportamento. Essa trajetória segue a diante na analise contextual e as
práticas necessárias nele.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisar o homem antropologicamente
é importante, para a compreensão da resposta que ele dá as questões éticas
sociais. Todas as respostas dadas são reflexo do que o homem é em sua
construção ideológica e histórica.
Esse processo é interiorizado e
exteriorizado sob a forma de comportamentos sociais. Assim como o homem decide
para si, também decide e escolhe pela construção do meio.
É também evidente que há
considerações atuais que precisam ser pensadas para o desenvolvimento de uma
ética mundial para a melhoria social e da vida humana. A ética deve estar a
serviço do homem, como maneira de colocar ordem no caos do mundo, e o homem
deve fazer bom uso da ética, ou ter a consciência de sua influencia na vida,
para responder ao que ela propõe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA,
Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: Uma introdução ao estudo de psicologia.
13 Edição, 2001 Ed. Saraiva.
BOFF,
Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Ed Record, 2009.
Rio de Janeiro.
BORDIGNON,
Nelson Antonio. Ética, elementos da antropologia
BORDINGNON, Nelson Antonio. Conceito de ética através da historia.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA VIRTUAL Unidade 1
aula 1
Nenhum comentário:
Postar um comentário